No renascimento, uma das soluções encontradas para viabilizar o transporte das imagens planares foi o advento do suporte móvel da imagem tal como o conhecemos ainda hoje: a tela em tecido aplicada sobre um chassi de madeira. Desde então, este vem sendo o suporte tradicional daquilo que convencionamos chamar de pintura. Com a entrada de novas tecnologias de produção de imagens, na atualidade, a condição do quadro muda radicalmente. O que conhecíamos como pintura agora ultrapassou as paredes dos palácios burgueses, habitando, também, o nosso cotidiano, em múltiplas e variadas formas de suportes. Este contexto, que envolve a tradição da pintura e sua expansão para além dos limites deste conhecimento, é o lugar aonde vamos nos situar para abordar as imagens que Lucila Tragtenberg e Rogério Rauber produziram para esta exposição.
Primeiramente, Lucila nos apresenta uma configuração híbrida que perpassa três meios expressivos diferentes. Iniciando sua ação performática, usando uma composição musical que explora as possibilidades sonoras e suas respectivas frequências vibratórias, o aparato técnico proposto pela artista sujeita a realidade material de um pigmento a uma superfície que enfatiza fisicamente a vibração sonora. A movimentação do pigmento sobre um suporte plano faz com que este fino pó caminhe sobre a superfície do papel, espalhando, desenhando e imprimindo, por impregnação, uma imagem abstrata. Como memória visual que encerra e contém todo este trajeto experimental, Lucila apresenta verdadeiras monotipias instaladas que atuam como testemunhas discretas de um mundo outrora auditivo e que agora, finalmente, repousam silenciosas na parede.
Em seguida podemos observar Rogério Rauber, com sua experiência visual que investiga, em última instância, um viés escatológico da pintura. Construir configurações com materiais que parecem ter se originado de um quadro destroçado, picado, esmagado e torcido, um autêntico bagaço de pintura, equivale subjetivamente, neste caso, a um gesto desesperado e consciente do artista, diante das limitações e implicações que o fazer pictórico suscita atualmente com sua carga semântica, posto que a pintura seria algo já cristalizado como linguagem no sistema de arte. Daí, a ideia de limitação da pintura e, consequentemente, do enfrentamento que percebemos como resposta do artista. Inconformado com a suposta finitude deste meio expressivo, Rauber expande e ultrapassa o campo linguístico da pintura, tradicionalmente delimitado por um repertório gramatical já muito bem conhecido e estabelecido. Sua experimentação, que transita pela materialidade e disposição espacial dos destroços do quadro, amplia os recursos gramaticais conhecidos desta linguagem planar, trazendo novas informações e possibilidades oriundas deste trabalho, que parte do grau zero do bagaço da pintura, rumo a um novo começo.
Ao percorremos a exposição destes artistas, torna-se evidente uma inclinação deliberada que se orienta para além dos limites da pintura. Ou seja, o que vemos são experiências que transbordam as fronteiras da pintura que já conhecemos. Tais experimentos resultam em presenças visuais que trazem novas imbricações da pintura com outros meios expressivos. Rogério Rauber e Lucila Tragtenberg, em suas imagens, encontram-se fazendo algo que, a princípio, não é pintura, mas acaba sempre remetendo a esta origem. Vestígios formais e processuais, tais como matéria, cor e frontalidade, acabam sempre nos encaminhando para uma noção de pintura que usa alguns elementos da sua tradição. Mas, certamente, estas imagens encontram-se fora dos suportes convencionais. O que vemos é uma pintura fora da pintura.
João Wesley de Souza
Julho de 2011
Mestre em Linguagens Visuais pela UFRJ e doutorando em Linguagens e Poéticas da Arte Contemporânea pela UGR, Espanha
Julho de 2011
Mestre em Linguagens Visuais pela UFRJ e doutorando em Linguagens e Poéticas da Arte Contemporânea pela UGR, Espanha
Rogério Rauber
O BAGAÇO DA PINTURA
O BAGAÇO DA PINTURA
Lucila Tragtenberg
performance SOUND, PINTURAFORADAPINTURA
performance SOUND, PINTURAFORADAPINTURA
de 11 de agosto a 10 de setembro de 2011
abertura: 11 de agosto (quinta) das 18 às 22h
Espaço Cultural da Biblioteca Nadir Kfouri
PUC-SP – Rua Monte Alegre 964 – Perdizes – São Paulo
abertura: 11 de agosto (quinta) das 18 às 22h
Espaço Cultural da Biblioteca Nadir Kfouri
PUC-SP – Rua Monte Alegre 964 – Perdizes – São Paulo
Ola Rogério,tudo bem? muito legal o seu blog,vou visitar sempre!grande abs e até a próxima sessão de modelo vivo!
ResponderExcluirValeu, Douglas! Grande abraço, até!
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